O ato de colecionar está relacionado ao toque, um gesto que desperta sensações e memórias que o digital não consegue.
A cada dia cresce mais e mais a quantidade de pessoas inseridas no mundo virtual. Por meio de seus computadores e smartphones, as pessoas estão cada vez mais conectadas e antenadas com tudo o que acontece ao redor do mundo. Para os colecionadores, no entanto, o virtual não tem tanto apelo quanto o físico e serve apenas para fins de preservação (no caso de quadrinhos).
Diferente dos compradores eventuais, que até gostam de ter e guardar alguns produtos de sua preferência, o colecionador desenvolve uma relação mais intimista com os objetos de suas coleções, despertando sensações e lembranças a cada vez que pega nesses itens. É o caso do funcionário público Jenísio Motta Júnior, que é fã de dublagem e, por conta disso, faz questão de ter vários “apêndices” – como ele mesmo batizou – em sua coleção de filmes.
“Tenho dois DVDs do mesmo filme, lado a lado, só porque são dublados por estúdios diferentes. Além disso, tenho alguns estojos com discos extras, com dublagens “perdidas” ou raras, sem contar os autógrafos, que abrilhantam ainda mais a coleção”, comenta. O cuidado com tais itens é tanto que Júnior confessa ter colocado um adesivo em sua estante com os dizeres “Não empresto CDs, DVDs ou livros. Favor não insistir”.
Essa forma bem humorada de lidar com seus objetos favoritos tem uma razão. Um item raro de coleção pode ser baixado com certa facilidade pela Internet, mas o produto físico deu trabalho para ser encontrado e só o colecionador sabe o quanto ele “garimpou” para tê-lo em mãos. Júnior explica que começou sua coleção de quadrinhos em 1994 e não tem muitos itens (que acabaram se perdendo nas mudanças de residência), mas alguns, ele faz questão de guardar e manter com carinho.
“A memória de momentos agradáveis de leitura é sempre associada ao ato de se abrir um gibi novo, ou se ler um antigo guardado… O tato num papel bem cuidado também é algo que faz bem ao colecionador. É muito legal ver um gibi de vinte, trinta anos bem conservado, ainda mais sendo seu! O conjunto de sensações (tato, olfato e visão) aplicadas ao se apreciar um bom quadrinho é o que separa o colecionador de um leitor.”, explica Júnior.
O estudante Matheus Torres Atala compartilha da mesma opinião. Para ele, a leitura de uma revista em quadrinhos física é muito mais prazerosa do que a leitura por scan. Atala explica que iniciou a coleção na época da minissérie Guerra Civil (2007) e, sempre que lê uma HQ nova, ele se lembra dessa época, quando se tornou fã dos super-heróis da Marvel. Mas os itens preferidos do estudante são os filmes e miniaturas, os quais possui mais de 2000 itens.
Para ele, o objeto físico sempre resgata memórias de infância ou parentes queridos. “Tenho três peças na coleção que são meus grandes xodós: um Morfador dos Power Rangers (provavelmente, a minha memória mais antiga), que ganhei do meu avô no meu aniversário de dois anos. O segundo é o Vegeta (personagem da série Dragon Ball Z), que também foi presente do meu avô e rodamos a cidade toda para encontrá-lo. Por fim, um busto do Harry Osborn, do filme Homem-Aranha 3, lançado pela Diamond Select. Demorei 10 anos para comprar por conta do preço elevado e, toda vez que o vejo na prateleira, lembro da época do filme, que foi muito marcante para mim.”
Já o ferramenteiro Marcelo Rubio Pereira tem uma história curiosa: ele começou a ler quadrinhos graças aos scans. O jovem considera uma ótima oportunidade de conhecer algo novo ou inédito no Brasil. No entanto, ele sempre preferiu ter a revista em mãos. “Gosto de ter as edições por perto e acho muito mais prático ir à coleção procurar uma revista para ler do que baixar pelo computador.”, diz ele. “Fora que a arte é sempre melhor ver em papel”.
Rubio afirma que gosta de virar as páginas das revistas e a maioria lhe traz lembranças, principalmente porque costuma “garimpar” muito para encontrar algumas delas e sempre que a pega em mãos, ele recorda o quanto foi difícil adquiri-la. Ele tem outra coleção bem diferente: sketches de artistas e autógrafos. “Sketches são importantes para mim porque é como ter uma arte que seu artista preferido fez exclusivamente para você”, comenta.
Entre os seus preferidos está o desenho que pediu para o artista Paulo Crumbim. “Não pedi para ele desenhar nada específico, pois gosto que os artistas façam o que tiverem vontade. Quando vi, ele tinha feito uma caricatura minha”, comemora ele. Outra lembrança é do primeiro autógrafo que conseguiu do roteirista Jaime Delano na HQ Hellblazer Origens 1, numa ocasião em que este esteve no Brasil.
De tudo isso, fica a certeza de que nada substitui o prazer do toque. Colecionadores se diferenciam dos compradores eventuais porque os primeiros têm amor pelos seus pertences e gostam sempre de tê-los por perto. O sentimento é comparável a ver seu artista preferido pela TV ou pertinho, num show ao vivo. Ambos podem ser emocionantes, mas estar próximo e poder tocar no seu objeto de veneração é uma sensação que fica para sempre.